Todo livro cumpre sua própria trajetória.
Aos poucos, ele vai encontrando os seus leitores. E, quando a gente tem contato com leituras tão qualificadas quanto pormenorizadas, fica pra lá de satisfeito, renovando a sensação de “missão cumprida”. É o caso da análise sobre “O fole roncou!” que a jornalista e pesquisadora Maria do Rosário Caetano divulgou em sua newsletter “Almanakito”. Uma defensora apaixonada da cultura brasileira, e profunda conhecedora da cultura popular, a mineira Rosário (radicada em SP) ainda nos orgulhou ao dizer que “aprendeu muito, muito mesmo” com o nosso trabalho. Confiram, abaixo, as impressões da pesquisadora sobre “O fole”:
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“O Fole Roncou! Uma História do Forró” é uma alentada história do gênero que teve em Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro seus fundadores e maiores difusores. Sempre me interessei pela música nordestina (baião, xote, xaxado, frevo, etc), sempre ouvi Gonzagão e Jackson do Pandeiro, fui (e sou) ouvinte fiel de Geraldinho Azevedo, Alceu Valença e toda aquela geração vinda de vários estados do Nordeste e que fez e aconteceu na década de 1970 e seguintes. Mas, depois de ler este livro, aprendi muito, mas muito mesmo. Aprendi que pouco sei de nomes como Azulão, Arlindo, o Mestre do Beberibe, Zé Calixto, Geraldo Correia, Trio Nordestino, Trio Mossoró, Os Três do Nordeste, Abdias dos Oito Baixos… E que pouco sabia de Antônio Barros e Cecéu, apesar de ligá-lo a sucessos como “Bate Coração” (Elba Ramalho), “Procurando Tu” (várias gravações) e “Homem com H” (na voz de Ney Matogrosso).
O livro de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, com edição (projeto gráfico) primorosa da Zahar — fartamente ilustrado, com centenas de capas de discos e momentos-chave da história da música nordestina — esclareceu muitos pontos nebulosos para mim. Sabia, sempre soube, que FORRÓ não chega a ser um gênero musical, mas um espaço onde se dança ao som dos mais diversos gêneros nordestinos. Mas desconhecia, além dos nomes acima citados, como tudo tinha ido parar no “forró universitário” e no que Chico César chama de “forró de plástico” (a misturança que veio, principalmente do Ceará, sob o comando do empresário, o “rei da sacação”, Emanoel Gurgel, criador de Matruz com Leite e tantas outras bandas). Termos como pornoforró, pornoxaxado (e até forrócore) e assemelhados não faziam parte do meu universo.
O livro documenta tudo com enorme curiosidade. Mais expõe, que julga. Mas não deixa, depois de abrir enorme espaço para as “criações/sacações” de Gurgel, de vir com opiniões como as de Chico César, extremamente críticas ao forró mais chegado aos teclados que às sanfonas, zambumbas e triângulos. Como o livro é fruto do labor de dois paraibanos (Carlos Marcelo, de João Pessoa, e Rosualdo, de Coremas — os dois formados em Brasília) ele tem um olhar sem a postura hegemônica (e excluidora) do eixo Rio-SP. Os dois registram o preconceito contra a música nordestina. Mas o fazem sem xingar ou desrespeitar ninguém. Citam o famoso parágrafo de Ruy Castro (em “Chega de Saudade”) em que o autor, aliviado, constata a substituição do acordeon de Mário Zan e assemelhados pelo violão dos belos meninos bossanovistas da Zona Sul carioca, constatam que a morte de um dos grandes nomes da música nordestina (e brasileira) Jackson do Pandeiro mereceu pequenas matérias nos grandes jornais cariocas e paulistas, etc. Aliás, a postura da grande imprensa do eixo Rio-SP vai se desenhando no trato com a música nordestina em subtextos elegantes, mas reveladores do discreto, mas resistente, preconceito.
Ninguém, e o livro mostra isto, fez mais pela aceitação de Luiz Gonzaga junto aos setores, digamos, “ilustrados”, que Gilberto Gil. Dos anos 60 até hoje, o compositor, que foi ministro da Cultura, só fez abrir espaço para Gonzaga, que ele vê como matriz de uma das grandes vertentes da MPB: a nordestina, de raiz rural, que se soma ao samba, mais urbano. Gil “apadrinhou”, como Gonzagão, o afilhado Dominguinhos. Gravou “Eu Só Quero um Xodó”, que virou sucesso nacional. Gravou discos de forró, fez (por sugestão de Regina Casé) de “Esperando na Janela” outro mega-hit forrozeiro, gravou “Gil Canta Gonzagão”… Tudo isto está registrado no livro de Marcelo & Rosualdo!!
A apresentação é de Braulio Tavares, um craque de Campina Grande, sendo a Paraíba e Pernambuco as capitais do forró. A bibliografia é excelente. Há textos de Celso Furtado, Alberto Tamer (que faleceu recentemente), dissertações de mestrado, etc, respaldando as pesquisas da dupla. Depois de ler o livro, entendi porque o HUMOR é um ingrediente tão forte, em especial, no Ceará e na Paraíba! Resumindo, este livro me ensinou muito!”
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Mais uma vez, obrigado, Rosário, por sua leitura!